2 de mai. de 2012

Prometheus, O Pai dos Homens



Este mito foi narrado pelos poetas Hesíodo e Homero (700 a.C) e por Ésquilo (470 a.C)

Conta o mito que o Titã prometeu, filho de Jápeto e de Clímene, era o responsável pela divisão da carne das vítimas do sacrifício entre os deuses e os homens. Anteriormente não era necessária a divisão, pois os deuses e os homens comiam juntos.

Prometeu tentou enganar Zeus ao oferecer-lhe apenas os ossos de um animal, coberto por uma atraente camada de gordura. E reservou para os homens a melhor carne, como conta Hesíodo (Trab., 47-50):

…eis que ele repartiu ao grande boi
intencionalmente em duas porções
e as apresentou para apaziguar o espírito de Zeus:
Num monte, as vísceras, a carne
e os pedaços mais gordos cobertos com o couro do animal.
Num outro, perfidamente, os ossos
Recobertos de toucinho reluzente. 

Zeus, irado com esse engodo, retirou o fogo dos homens. Mas Prometeu penetrou no Olimpo, roubou uma centelha do fogo dos deuses e entregou à humanidade. Como punição por seu crime, foi acorrentado a um rochedo e Hefesto é encarregado, a contragosto, dessa missão, com a ajuda de Crato e Bia. Segundo o Prometeu Acorrentado de Ésquilo, 1,87: 

Contrariado como tu mesmo, com minério insolúvel
Eu te prendo neste rochedo distante dos homens
Onde não encontrarás nem voz nem forma humana.
Mas, queimado pela clara luz do sol,
Mudarás a cor do teu corpo.
A noite muito desejada
Com seu manto de estrelas ocultará a ti a luz,
Para, depois, assim que romper a aurora,
O sol te atormentar com o mesmo sofrimento,
Pois aquele que te salvará ainda não nasceu.
Esses são os frutos
Do teu amor pelos homens. 

Prometeu era visitado todos os dias por uma águia que lhe comia o fígado; mas toda noite seu fígado se recompunha. E Prometeu acorrentado se queixa através de Ésquilo: 

Veja o que tenho que suportar dos deuses, sendo eu mesmo um deus.
É isso que o abençoado nosso senhor
Me destinou: a ignomínia das correntes
Ai, meu deus! Esse sofrimento atual e o do futuro,
Me fazem gemer da mesma forma.
Será que algum dia
Haverá fim para o meu tormento?
Mas o que estou dizendo? Pois já sei de tudo antes,
Sei exatamente o que será, e nenhuma dor.
Me poderá pegar desprevenido.
Tenho de aceitar o fato de estar pendurado,
É necessário aceitar o destino com despreocupação;
Pois como se sabe,
De nada adianta contra ele lutar;
No entanto, calar-me,
Nada sobre ele dizer?
É impossível aceitar ou renegar o meu tormento! 

Zeus também puniu a Epimeteu, irmão de Prometeu. Fez com que Hefesto criasse uma mulher irresistível e Hermes concedeu-lhe o dom da palavra e chamou-a de Pandora, que significa o presente de todos os deuses. Zeus enviou Hermes com o presente para Epimeteu. Este se esquecera da recomendação de seu irmão Prometeu, a de jamais receber um presente de Zeus, se desejasse livrar os homens de uma desgraça. Epimeteu, porém, aceitou e, só quando o infortúnio o atingiu, foi que compreendeu. Epimeteu se casa com Pandora e recebe o presente de núpcias. Pandora abre a Jarra de longa tampa e dela voam todos os males que até hoje atormentam os homens. Só a esperança permaneceu presa junto às bordas da jarra, porque Pandora recolocara a tampa rapidamente. Assim narra Hesíodo no seu trabalhos (trab., 83-89): 

Só restou a esperança
Dentro do recipiente.
Oculta embaixo da tampa,
A esperança não pôde sair
Antes que a tampa
Fosse recolocada sobre a jarra. 

Mas tarde Prometeu foi libertado por Heracles que, numa de suas incursões, o vê acorrentado a um rochedo, Heracles primeiro mata a águia, mas hesita em soltar prometeu porque as exigências de Zeus deviam ser atendidas: o Titã teria que contar o segredo que havia descoberto da deusa Têmis e teria também que ser substituído por outro deus, disposto a descer do reino dos mortos. Prometeu então contou a Zeus que, segundo a profecia de Têmis, do seu relacionamento com Tétis, a deusa do mar, nasceria o seu substituto.

O centauro Quíron, filho de Íxion, se oferece para descer ao reino dos mortos e lega a Prometeu a sua imortalidade. Prometeu pôde assim ascender ao nível dos deuses. 

A despeito do seu ódio, Zeus renunciou ao ressentimento contra Prometeu, que entrara em luta com os desígnios do impetuoso filho de Crono.
(Teog., 533-534). 

No início os deuses e os homens comiam juntos, comungavam do mesmo alimento porque não havia diferença entre os deuses e os homens, isto é, não havia a separação entre ego e Self. Também não havia a diferença sexual; homens e mulheres eram iguais.

O mito de Prometeu começa na Idade de Ouro, e descreve o estado paradisíaco de indiferenciação inicial, no qual o Self e o ego estão unidos numa totalidade, antes do nascimento da consciência. O comer junto tem o significado simbólico de comunhão pacífica e ausência de conflito e tensão, características do estado simbiótico do desenvolvimento humano. Nessa época, os seres humanos eram imortais e todas as necessidades eram satisfeitas, antes mesmos de serem percebidas. Este fato mítico descreve a realidade psíquica da ausência da consciência, o estado primal do qual não há uma consciência que perceba e, portanto, não existe a noção de espaço e tempo.os homens são atemporais, imortais não há acontecimentos, pois o espaço e o tempo são conceitos que estruturam a realidade.

O mito de Prometeu narra a história do nascimento da consciência e da saída do estado paradisíaco – narcísico de totalidade, do estado natura, pré-histórico do homem, e a sua entrada no processo civilizatório, o seu ingresso na cultura. Prometeu é o herói civilizador que possibilita ao homem a mudança da pré-história para a história; por isso, pode ser considerado o pai dos homens.

O mito continua, dizendo que depois de algum tempo a carne era dividida entre os homens e os deuses. Prometeu era o responsável por essa divisão. Com o processo de desenvolvimento psicológico, o ego, lentamente, começa a ser separar-se do Self, mas ainda mantém uma identidade básica com este. Prometeu, neste momento, representa o eixo ego-Self, que mantém a ligação entre o ego emergente e o arquétipo da totalidade. Prometeu faz a ligação entre o Self e a consciência, é ele o responsável pela distribuição da carne entre os deuses e os homens.

No decorrer do desenvolvimento, emerge a consciência do ego e assim se instala o conflito entre as polaridades ego-Self. O ego emergente necessita reter energia para o seu crescimento e isto provoca tensão dentro da realidade unitária. A saída do estado de indiferenciação psíquica é o impulso natural, mas é sentida como desconforto e tensão porque causa uma quebra de equilíbrio homeostático, no estado de Nirvana.

Existe dentro do psiquismo tanto o impulso para sair da indiferenciação quanto o desejo de manter o estado de totalidade. Prometeu engana Zeus (Self) reservando para o homem (ego) a melhor carne. Ele sabe que o homem precisa de alimentação (energia) melhor e mais forte. A consciência emergente necessita tirar do Self energia para o seu crescimento e isto tem o significado simbólico de roubo.

O mito narrado por Hesíodo diz que o alimento dividido entre os homens e os deuses era o produto de um sacrifício. O ato do sacrifício, simbolicamente, já pressupõe a separação entre aquele que sacrifica e oferece o sacrifício e o outro que o recebe. Dessa forma, já existe uma divisão dentro da totalidade, uma rudimentar consciência do ego, que percebe a separação e deseja permanecer ligado à fonte original. Ao mesmo tempo, essa separação é sentida como um sacrifício necessário para o desenvolvimento do ego.

O sacrifício é o símbolo da renuncia aos vínculos naturais por amor ao espírito e à divindade. O sacrifício também pressupõe a idéia de troca de energia criadora ou espiritual. O ego emergente, por amor ao Self, deseja fazer a renuncia de sua ligação estreita com a natureza e manter o intercâmbio espiritual com a sua fonte criadora. Segundo Jung, o sacrifício animal simboliza a renuncia ao que existe de animal, primitivo e puramente instintivo na natureza humana.

O que era oferecido aos deuses, em sacrifício, era a carne dos animais. No oferecimento de um bem material há o desejo de receber em troca um bem espiritual. O nascente, impulsionado para a diferenciação deseja manter não só a sua ligação com o Self, mas também o intercâmbio entre a energia instintiva e a espiritual.

O sacrifício também está ligado à idéia de apaziguamento do conflito entre opostos. A saída do ego da totalidade indiferenciada gera tensão e isto traz sofrimento e dor. Portanto, existe também no ego o desejo de voltar ao estado de ausência da tensão e da dor, através do sacrifício do seu impulso em direção ao crescimento.

À medida que o ego se diferencia mais a mais da totalidade original, tende a se acentuar o conflito entre os opostos e cada pólo procurará reter maior quantidade de energia em seu interior. Prometeu engana Zeus, reservando a melhor carne para os homens, e Zeus, irado diante do engodo, retira o fogo dos homens. Hesíodo narra esta passagem no seu trabalho

Zeus te ocultou a vida no dia em que, com a alma em fúria, se viu ludibriado por Prometeu de pensamentos velhacos.
Desde então ele preparou para os homens tristes cuidados, privando-os do fogo.
(trab., 47-50) 

O fogo antes era compartilhado entre homens e deuses. Não havia tensão e conflito dentro da realidade unitária. Com a diferenciação surge a tensão e a divisão da energia entre os opostos, o que gera conflito.

Este fogo do qual Zeus priva os homens tem a qualidade da energia criadora e espiritual do Self. O ego se vê privado do fogo criador para a construção e iluminação da consciência, pois o fogo é a manifestação ígnea da luz. O simbolismo do fogo marca a etapa da saída do homem da natureza, do estado de animal pré-histórico e de participation mystique, e a sua entrada no mundo da cultura. O homem faz a sua diferenciação do estado natural através do desenvolvimento da consciência simbólica. Segundo Paul Diel, o fogo terrestre simboliza o intelecto, isto é, a consciência com toda a sua ambivalência. O natural para o cultural.

A consciência humana percebe a divindade como ambígua; aquela que provê, mas que também priva. Zeus retira o fogo dos homens, os priva do conhecimento, do poder criador, que anteriormente havia doado. Muitas vezes o Self priva o ego de algum bem, para que este desenvolva outro potencial que necessita de desenvolvimento. O Self retira para poder doar. Os deuses são percebidos pelo homem como possuidores de uma natureza dupla, na sua onipotência. Os deuses são capazes de grandes doações e de provocar grandes privações.
O fogo é a representação da energia psíquica criadora, formadora e transformadora. Quando Zeus retira o fogo do homem, ele se vê privado desse potencial de transformação e teme o seu destino. O ego se vê privado da potencia fálica vital quando faz a separação do Self e teme pela sua sobrevivência.

O fogo está associado à idéia de vida e, por esse motivo, é o representante simbólico da libido. Para a maior parte dos povos primitivos, o fogo é um demiurgo proveniente do sol que dá origem à vida e confere força e saúde. Os alquimistas consideravam o fogo como o elemento atuante no centro de todas as coisas, fator de unificação e de fixação.

Prometeu sabe que o homem (ego) necessita do fogo, como a energia formadora da individualidade, o princípio que centraliza o poder da vontade, da objetividade, da finalidade, matéria-prima da qual é forjado o ego. Gaston Bachelard lembra que o fogo é o primeiro objeto, o primeiro fenômeno sobre o qual o espírito humano refletiu; entre todos os fenômenos, só o fogo merece, da parte do homem pré-histórico, o desejo de conhecer pelo fato de se fazer acompanhar do desejo de amar.

Para Bachelard, o amor é a primeira hipótese científica para a reprodução objetiva do fogo. Para J. Laplanche, o fogo é a metáfora primordial da sublimação.

O fogo está ligado à origem do pensar, à origem do conhecimento e ao nascimento do homem como ser pensante e da linguagem. O homem busca o conhecimento. Prometeu busca o fogo para o homem. Por isso se diz que Prometeu é o pai dos homens: porque é ele que, através de sua doação, possibilita ao homem a sua transformação de ser puramente natural no ser que tem consciência de sua existência, um ser apartado da totalidade, mas que é também parte desta. Prometeu dá, como prêmio ao homem, a linguagem: agente transformador do elemento natural em elemento cultural.

Prometeu penetrou no Olimpo, roubou uma centelha do fogo dos deuses e a entregou à humanidade. Ele rouba a libido dos deuses, o poder fálico criador. Ele é chamejante, o portador do fogo do conhecimento. Prometeu tirou a centelha de fogo dos deuses, a escondeu na haste oca de uma planta e a trouxe para a terra, para os homens, isto é, para a consciência. Ele rompe definitivamente o estado paradisíaco quando rouba o fogo dos deuses, assim como Eva que colheu o fruto proibido. Ele retira o poder fálico criador do Self, representado pela haste oca, e a traz para a consciência. Prometeu traz para a posse da consciência o potencial criador contido no Self.

Freud vê no roubo do fogo por Prometeu a conquista do fogo pelos homens primitivos. O homem tem que “roubar” o fogo do céu, do Olimpo, porque ainda não sabe como produzi-lo. Para Freud, o modo como o fogo é transportado por Prometeu depois que o roubou dos deuses mostra a evidência do símbolo do pênis, pelo fato de a haste ser oca. Freud diz: “o que foi transportado foi a água e não fogo, mas o mito utilizou a mesma inversão dos elementos que o sonho utiliza.” Assim, para Freud, o transporte do fogo seria o transporte da água. O que Freud quer provar é que a água teria a função de sublimação, de apagar o fogo sexual. Portanto, para Freud, Prometeu traz a necessidade da repressão dos instintos em prol da civilização. Freud vê Prometeu com um papel civilizador.

Prometeu traz no significado de seu nome a ligação da idéia do fogo com o conhecimento. Ele é aquele que conhece por antecipação, o pré-vidente, o premeditador. Segundo Junito de Souza Brandão, o nome Prometeu é formado de Pró, que significa antes de, por antecipação, e Mêthosque quer dizer ver, observar, pensar, saber, com o acréscimo do sufixo éus. Este dado etimológico mostra que o mito de Prometeu está ligado à origem da consciência, à origem do conhecimento, Ele traz para o homem o potencial para conhecer, que o tira do estado natural e o coloca diante da tarefa de construir a civilização.

Prometeu é, por isto, o representante do pai primordial. Ele é um Titã, o detentor do poder fálico, que leva os filhos, através de sua interferência, a sair da condição paradisíaca de gozo absoluto, da onipotência fálica. Ele é do ponto de vista do homem (filho), aquele que não sofreu a castração, mas que leva os filhos à vivencia da lei da castração, à quebra da onipotência.

Freud no seu trabalho “A aquisição e o Controle do fogo” de 1932, diz que prometeu não é um herói do gozo e da transgressão; ao contrário, é o herói da renúncia. Ele renuncia ao gozo, que consiste em extinguir o fogo. São os deuses que são enganados: o id em cada um de nós. É o id que Prometeu engana ao privá-lo de seu gozo absoluto, para lhe impor uma renúncia definitiva. Para Freud, Prometeu renuncia ao instinto e mostra o quanto pode ser benéfica esta renúncia para os propósitos da civilização.

Jung diz que Prometeu é descendente dos Flégias, as águias de fogo. Ele mostra que a origem de Prometeu está ligada à origem do pramantha, que também descende dos Flégias. Assim Jung demonstra a relação de parentesco simbólica entre Prometeu e opramantha. Segundo Jung, o pramantha é um instrumento do Manthana; o sacrifício do fogo entre os hindus. O sacrifício do fogo possui, também, um significado sexual além do espiritual. O pramantha representa o falo; o pensar e o conhecer espiritual. Prometeu é o portador do conhecimento sexual e espiritual: é o portador do falo.

 Existem associações muito antigas entre o falo, o fogo, o prazer sexual e o prazer ligado à alimentação. Na experiência da criança todos estes elementos estão estreitamente unidos. No mito de Prometeu, o fogo e o alimento eram compartilhados entre homens e deuses antes da quebra da totalidade. Homens e deuses compartilhavam o gozo fálico, que reúne e sintetiza todas as formas e variantes do prazer, o prazer absoluto. É esta vivência do prazer sem limites que o homem tem que abandonar para fazer a sua entrada na civilização, que o coloca como um ser sujeito à lei da castração: o sujeito da cultura.

O fogo, como representante do falo, está ligado à palavra. Tanto o fogo quanto a palavra possuem um aspecto transformador, criador e civilizador; e, por assim serem, colocam o homem dentro da civilização, demarcando a diferença entre os homens e os animais. Prometeu é o portador do fogo-falo civilizador do homem. Ele leva o homem a sofrer o interdito da castração, a deixar de ser o falo, para poder ter o falo.

Prometeu traz para o homem uma centelha do fogo dos deuses na haste oca de uma planta. Ele dá ao homem a posse do falo criador, o potencial transformador, com a condição de que o homem renuncie a onipotência. Prometeu é o próprio fogo que traz a meditação entre os homens e os deuses. O falo e o fogo são agentes civilizadores que desligam o homem da natureza e o levam a vivência do cultural.

Entre os hindus, é o fogo que leva o sacrifício até os deuses. O fogo é um mediador entre os homens e os deuses. Em sânscrito, Agni é tanto o nome para o fogo quanto para o próprio deus Agni, personificado no fogo. Existe uma relação simbólica entre Prometeu e Agni. O fogo entre os hindus é o próprio sujeito e objeto do sacrifício. Agni sacrifica-se imola-se e oferece o sacrifício a si mesmo. Nesta imagem arquetípica está contida a relação simbólica entre Prometeu e Agni. Prometeu, expondo-se ao castigo de Zeus de seus atos, toma o lugar do objeto do sacrifício, imola-se por amor aos homens. Prometeu sacrifica-se para salvar os homens da escuridão, para lhes levar o fogo, a consciência, o conhecimento. Ele é o salvador da humanidade. Prometeu, aqui, representa o desejo do self, uma parte deste que faz a renúncia à vivência da totalidade para que seja possível despertar da consciência como experiência humana. 


O mito grego antecipa, na figura de Prometeu, o cristo como salvador da humanidade que, por amor aos homens, oferece-se em sacrifício. Prometeu é sacrificado, é amarrado a um rochedo, como Cristo foi pregado na cruz. Ele fornece aos homens um modelo, submetendo-se à Lei do Pai; renuncia à onipotência e aceita o seu interdito que proíbe a ultrapassagem do métron. Prometeu aceita viver a castração necessária à sua humanização.


Pendurado entre o céu e a terra, ele deve encontrar a sua medida e, através de seu exemplo, levar o homem a encontrar também o seu métron. O homem sente-se agrilhoado à natureza e ao instinto enquanto não encontra o seu caminho de humanização, de vivência de seu potencial criativo.

 O rochedo é a representação da condição humana. O homem não pode mais fazer o caminho de volta à vida puramente instintiva nem pode aspirar a se equiparar aos deuses. Mas tem a tarefa de encontrar a sua realização, a expressão do seu potencial criativo na vivência humana.

Pendurado entre o céu e a terra, Prometeu lembra que o homem deve encontrar o caminho do meio como possibilidade de realização de sua humanidade, sem esquecer a sua condição de animal natural e a sua participação na condição divina. Aqui está o grande desafio mostrado pelo herói grego, que aponta para o homem o caminho do meio. Com a aquisição da consciência, o homem deve viver as duas polaridades; a instintiva e a espiritual, dentro de uma medida justa e harmoniosa.

Prometeu acorrentado é a imagem apropriada do sentimento de limitação e impotência, depois da castração e antes da conscientização do potencial criativo. Ele é o representante da condição humana em face do universo e dos poderes divinos. O ego, num determinado momento de seu desenvolvimento, com a perda da onipotência, percebe-se pequeno e impotente diante do poder do pai, impedindo de obter o prazer absoluto, o prazer fálico. Só mais tarde o ego toma consciência da sua capacidade expressiva e de realização criativa, e assim pode superar o sentimento de castração.

águia de Zeus é o símbolo da consciência penetrante que lembra ao herói a sua limitação, o seu métron, a sua ferida da castração. A águia relembra a Prometeu os seus limites e faz com que ele, através de sua dor aceite a sua humildade e se torne mais humano. A dor é o elemento que possibilita a quebra da onipotência. A águia como símbolo de Zeus tem uma íntima relação com a flecha e o raio, que são instrumentos discriminatórios.

A águia é a representação da Lei do Pai, cuja função é manter a repressão dos desejos incestuosos. As aves de rapina também estão associadas ao lado negativo do masculino, que rouba energia. O processo de repressão de um conteúdo exige o dispêndio de energia que é subtraída da consciência. A águia, ainda em seu aspecto negativo, representa os pensamentos destrutivos que paralisam, devoram e impedem a criatividade.

A imagem utilizada pelo mito para simbolizar a castração é o fígado devorado pela águia. Mas por que o fígado? Porque o fígado era considerado, nas culturas antigas, a sede das paixões e dos desejos; assim a castração tinha que ser feita nesse órgão. O fato de o fígado do herói ser comido durante o dia e ser restaurado à noite indica que a consciência está ciente da sua ferida, mas o que o inconsciente providencia, à noite, a mobilização de restauradores para o sentimento de impotência, e isto tem o efeito de cura. A ferida sem cura de Prometeu simboliza a ferida da castração, da perda do estado de totalidade original, que não pode mais ser recuperado, a não ser que se pague o preço da alienação e da loucura.

O fígado é o órgão escolhido pelo mito para simbolizar a ferida da castração e o processo de construção da força egóica através da aceitação da castração e a superação dos sentimentos de impotência e inferioridade. O fígado é, portanto, o órgão que está ligado à coragem e à vontade; características do ego-herói. Segundo Paul Diel, o fígado corroído de Prometeu é o símbolo de culpa reprimida.  O fígado devorado tem ainda o significado de domesticação dos instintos, da força bruta e da vontade onipotente.

Em relação ao problema do métron, outro aspecto importante apontado pelo mito é que só pode estabelecer limites, isto é, exercer a função paterna, aquele que passou pela experiência da castração, que se submeteu à Lei do Pai e encontrou a sua medida; mas que também conseguiu obter a redenção através da realização do potencial criativo do Self, tendo o ego com veículo da atualização e executor da vontade do Self no mundo. Hefesto é o deus enviado por Zeus para aprisionar Prometeu. É um deus coxo que traz este padrão de redenção criativa, porque passou pela prova da castração e conseguiu empreender o caminho criativo de realização egóica, onde são unidas as polaridades do céu e da terra.

Zeus emperrou Hefesto do Olimpo para a terra, para dimensão do humano, por ter cometido o pecado da Hybris, a arrogância de se opor a Zeus, ao Nome do Pai. Com a queda, isto é, com a perda da onipotência, ele fica coxo; sofre a experiência da castração, que o marca para a vida toda.

Através de longo processo iniciático, de aprendizagem e desenvolvimento do ego, Hefesto torna-se o mais engenhoso dos filhos de Zeus. Ele aprendeu a moldar o ferro e o bronze, criando belas formas, e a trabalhar os metais preciosos, tornando-se o joalheiro preferido dos deuses. Hefesto molda a matéria e obtém o acesso ao potencial criativo do Self. É um deus alquimista que, através do trabalho na matéria, busca a transformação psíquica e espiritual, a sua transcendência. Este padrão arquétipo fornecido por Hefesto mostra que o homem pode alcançar a sua transcendência e espiritualização através da sua ação no mundo material, isto é, por meio da construção e fortalecimento do ego.

Segundo Hesíodo (Teog., 945), Zeus, para compensar Hefesto, dá-lhe em casamento a própria beleza, Afrodite, a deusa do amor. É através da aceitação da própria imperfeição que se pode fazer a conquista de um bem maior, como a busca da totalização.

Hefesto, por meio do trabalho criativo, obtém o acesso ao potencial do Self e realiza a sua transcendência. O deus alquimista, apesar de sua mutilação, a marca da castração, não deixa de ser valente, destemido e de tomar parte ativa nos combates. A castração é uma mutilação que inutiliza, mas a ferida necessária por meio da qual o ego pode ser forjado.

Hefesto fornece o padrão arquétipo para a construção criativa da consciência e da força do ego.Ele não recusa o confronto com a vida e, assim, coloca o potencial egóico a serviço de sua realização.Ele se reconcilia com Zeus através do trabalho criativo. O homem se reencontra com Deus através de sua vivência criativa.

Para realizar o trabalho imposto por Zeus, o aprisionamento de Prometeu, Hefesto, como não é um deus violento que usa o poder para submeter o outro, tem que pedir ajuda de Bia e de Crato. Bia representa a violência e seu irmão Crato personifica o poder. Hefesto realiza este trabalho a contragosto, mas reconhece o seu significado e a sua necessidade. O deus que passou pela prova de castração sabe que é necessário conhecer a própria medida para poder, mais tarde, criar.

Prometeu depois da revolta inicial contra seu castigo, aceita e resigna-se finalmente ao seu destino, à sua hamartia; e adquire o entendimento de sua Felix Culpa que leva a trilhar o caminho de sua redenção. Ele não se rebela mais e finalmente se submete à Lei do Pai. O longo período que permanece amarrado corresponde ao seu processo iniciático, ao tempo necessário para o seu desenvolvimento. Ele fornece ao homem o modelo de aceitação da Lei do Pai para a construção da individualidade.

Terminado o tempo de sua iniciação, Prometeu é libertado por Heracles, que também cumpria um trabalho iniciático e que não foi só o maior dos heróis, mas, igualmente, o mais humano de todos eles. O trabalho do homem na busca da construção do ego e de sua individualização leva à libertação do deus; do arquétipo que serve como padrão. Mas, antes de libertar Prometeu, Heracles deve obedecer às exigências de Zeus; deve fazer o conhecimento da existência de um poder maior que o ego, isto é, a realidade do Self, representado por Zeus e diante do qual o ego deve se curvar. O reconhecimento do Self por Heracles serve de ensinamento para Prometeu, que faz, a renúncia da onipotência, do uso do poder.

Prometeu guardava um segredo sobre Zeus, que havia descoberto da deusa Têmis. O segredo é um sinal da participação no poder. Assim, a posse deste segredo conferia ao herói a participação no poder da Grande-Mãe, pois fora Têmis, uma Grande-Mãe, que havia contado o segredo. Prometeu sabia que o destino dos deuses dependia desse segredo. Têmis lhe contara que um filho de Zeus, concebido pela deusa do mar Tétis, o destronaria.

O herói tinha o conhecimento da revolta das deusas matriarcais contra o poder da consciência patriarcal e isto conferia poder sobre o rei do Olimpo e cumplicidade com as Grandes-Mães. Só quando resolve renunciar ao vínculo com a consciência matriarcal e à onipotência é que ele pode ser libertado das cadeias que o prendiam à natureza, ao matriarcado. Prometeu realiza o sacrifício de renúncia à participação no poder matriarcal e, assim, está pronto para se transformar, E Zeus também se transforma, aprende a renunciar e sacrifica o seu amor por Tétis.
A transformação do herói sempre causa uma modificação no arquétipo. Desta maneira, uma mudança importante ocorre: o princípio de realidade substitui o princípio do prazer. O prazer pode ser adiado ou contido em função de um bem maior. Zeus renuncia ao desejo imediato para não perder o seu reinado. O princípio de realidade é, agora, o regente da consciência.

 Heracles mata a águia com uma flecha. O processo de vivência da castração se completou e não é mais necessária a repressão imposta do exterior. O ego já pode aceitar os seus limites, a sua medida, fazer a renuncia ao princípio do prazer e permitir a regência do princípio da realidade.

Mas havia, ainda, uma segunda exigência de Zeus: que um deus substituísse Prometeu. 
…Um deus
predisposto a descer à noite do Hades,
à garganta escura do Tártaro 

É Quíron, o mais justo e humano dos centauros, que se oferece em sacrifício para a salvação de Prometeu. Quíron tinha corpo e patas de cavalo e o torso e os braços de homem. O cavalo representa a vitalidade no seu estado mais primitivo, a energia instintiva e a libido selvagem, mas, no entanto, capaz de ser domesticada. O cavalo, por ser um animal domesticável, representa o instinto canalizado e cultivado. E o centauro, metade homem e metade animal, representa a humanização do instinto, a harmonização daquilo que o homem tem de animal, isto é, a reunião da civilização com a natureza.

 O cavalo está freqüentemente associado com a Árvore do Mundo, que liga o humano com as regiões superiores e inferiores e aos domínios da morte. Quíron representa a possibilidade de reunião desses três níveis e, por este motivo, é ele que se oferece em sacrifício para substituir Prometeu. Quíron é o arquétipo que é constelado para representar a promessa de reunião das polaridades no processo de individualização.

Quíron possuía uma ferida incurável numa das pernas, ocasionada por uma das flechas de Héracles, e desejava morrer para terminar os seus sofrimentos. O mesmo herói que o fere faz a intermediação entre Quíron e Zeus. Héracles intercede junto a Zeus para que aceite a troca de Prometeu pelo médico ferido.

 Esta passagem mítica tem um grande valor psicológico: aquele que fere é que propicia também a oportunidade de cura e de transformação; e, muitas vezes, é preciso ferir para poder curar. Quíron ferido por Héracles ocupa o lugar de Prometeu para que seja redimido.
 Quíron também se submeteu à lei da castração, ele é o deus que conhece o sofrimento, pois viveu a dor em si mesmo. Ele humildemente se entrega à experiência da dor, assim como o Cristo fará mais tarde.

Quíron torna-se o símbolo do médico ferido que é capaz de curar porque conhece a dor. E porque buscou a cura para a sua própria ferida incurável, se enriqueceu com a experiência e assim pôde curar por meio da sua vivência. O símbolo do médico ferido mostra a necessidade da aceitação das feridas, isto é, da imperfeição, para possibilitar a busca da transformação e do aperfeiçoamento psíquico.

 Quíron se oferece em sacrifício pela libertação de Prometeu e para sua própria libertação, pois já viveu a sua dokimasia: o conjunto de provas pelas quais teve que passar. O mito também diz que um valor psíquico é sempre substituído por outro: Quíron substitui Prometeu. Nunca fica uma lacuna no psiquismo.

O sacrifício de Quíron também traz o significado do apaziguamento da tensão entre os opostos, entre o ego e o Self, entre Prometeu e Zeus. Na resolução de um conflito, alguma coisa tem que ser sacrificada. O médico ferido mais uma vez aceita viver a experiência humana, como Cristo, para poder compreender, curar e ensinar; por isto, foi considerado o maior educador dos grandes heróis, tais como Jasão, Héracles e Asclépio. Quíron busca e aceita a morte voluntariamente.

O sacrifício tem o poder de transformar tanto aquele que realiza o sacrifício quanto aquele que o recebe. Tanto o homem quanto o deus se transformam. Prometeu aceita que Quíron o substitua e viva a experiência da morte. O deus toma o lugar do herói e, assim fazendo, permite a libertação de Prometeu, para que este viva a sua individuação.

 Quíron ocupa o lugar de Prometeu, morre depois de nove dias e Zeus o imortaliza, transformando-o na constelação do Centauro. Ele mostra com sua experiência que é preciso morrer para poder renascer transformado. O educador dos heróis renuncia a sua imortalidade e produz a sua cura, a cicatrização da ferida da castração e do sentimento de impotência. Ele indica com seu exemplo que o abandono da onipotência leva o caminho da cura. E mais tarde se torna novamente imortal, porque realizou a sua transcendência, a sua espiritualização.

Prometeu foi libertado com a condição de que deveria usar um anel de aço, símbolo de sua passagem pela castração, da sua submissão à Lei do Pai e da aceitação da sua humildade e humanidade.

E Prometeu, liberto das cadeias que o prendiam à natureza, pode caminhar da natureza para a cultura. Mais tarde também se torna imortal, porque viveu a experiência humana e desejou a sua espiritualização, o reencontro com o Self.

O mito diz ainda que, além do castigo imposto a Prometeu, Zeus também puniu seu irmão Epimeteu. E como o próprio nome significa, Epimeteu quer dizer "o que pensa e aprende depois". Ele é a polaridade oposta de Prometeu, "o que pensa e reflete antes".

 Zeus também pune Epimeteu. Um acontecimento psíquico geralmente afeta a psique como um todo, em suas polaridades. Com a saída do estado de totalidade indiferenciada, o psiquismo sofre uma fragmentação, expressa no surgimento das polaridades. Prometeu e Epimeteu são os irmãos simbólicos, representantes dos pólos opostos da psique. Prometeu representa a prudência, o agir consciente, e Epimeteu a imprudência e a impulsividade.

Prometeu, o previdente, o que pensa antes, havia recomendado ao irmão não receber nenhum presente de Zeus. Mas Epimeteu, o imprudente, age sem pensar e aceita o presente do deus do Olimpo, a bela Pandora.

Os presentes sempre assinalam a inauguração de um novo ciclo, de uma nova era. O ato de presentear mostra o desejo de compartilhar um momento importante, significativo. Portanto, aquele que recebe o presente está, de alguma forma, de acordo com essa comemoração. Prometeu neste momento representa a polaridade que recusa a entrada no novo ciclo, e Epimeteu, a que aceita.

A oposição criativa das polaridades representada nos irmãos é expressa, em maiores detalhes e nuanças, através do símbolo dos gêmeos, presente em várias culturas e mitologias. A difusão dessa imagem simbólica reflete o interesse que desperta a questão da dualidade. Os gêmeos representam a ambivalência da psique humana e são o símbolo das oposições interiores e exteriores, introvertidas e extrovertidas, conscientes e inconscientes, espirituais e materiais, que provocam a tensão criativa. A imagem gemelar representa a dualidade do ser depois da perda da totalidade.

Na mitologia de várias culturas é constante a narração dos feitos de gêmeos como Castor e Pólux, os Dióscuros , os Axvins. Para os Maias a própria totalidade é dividida em dois, como mostra a língua do deus do milho.

A dualidade dos gêmeos simboliza o movimento oposto da libido, o caráter ascendente e descendente, como o próprio movimento do Sol, que nasce e se pôe todos os dias. Os opostos possuem um caráter compensatório que tem por finalidade manter o equilíbrio psíquico, corrigindo a unilateralidade.

Prometeu e Epimeteu são os irmãos que representam as direções opostas da libido. Enquanto Prometeu está voltado para a preparação do caminho de diferenciação, mas de forma talvez mais passiva e reflexiva, Epimeteu ativamente põe em ação o desejo do Self de construção da consciência.

Epimeteu expressa a tendência do ego para o seu crescimento e fortalecimento através do confronto com os desafios do mundo. Epimeteu realiza em ação aquilo que foi preparado em amadurecimento e reflexão por Prometeu. Ele não teme os perigos do mundo e arrisca-se no exercício de sua diferenciação, na construção dos limites e fronteiras que demarcam o território da sua individualidade e individualidade do outro.

Epimeteu não recusa os desafios necessários ao seu desenvolvimento. Ele não recusa o presente de Zeus, que corresponde ao desejo do Self. Epimeteu aceita Pandora e, ao aceitá-la, demarca definitivamente a diferença entre o eu e o outro, com isto assume a consciência da diferença sexual, uma vez que Pandora é mulher e, portanto, é o outro para Epimeteu.

Apesar da recomendação de Prometeu, o seu irmão não só aceita o presente de Zeus – a possibilidade da discriminação dos opostos e da diferenciação sexual-, mas também toma Pandora em casamento. E assim fazendo define a aceitação da sua identidade sexual e do outro, o que permite o seu relacionamento criativo com os opostos.

 Epimeteu também aceita o presente que Pandora trouxe, enviado por Zeus. Ele aceita compartilhar e realizar o desejo do self de diferenciação da consciência. Abre a caixa enviada por Zeus, o que demarca cada vez mais a consciência das diferenças, pois a caixa contém as polaridades, o positivo e o negativo, o bem e o mal. Com este gesto, Epimeteu faz a conquista da humanização para si mesmo e para o homem. Faz um gesto correspondente ao de Adão e Eva, comer o fruto da Àrvore do conhecimento. Desta maneira, ele realiza o corte definitivo com a totalidade primária.

 Quando Epimeteu abre a caixa trazida por Pandora, realidades até então desconhecidas para o homem espalham-se pelo mundo. O homem amplia a sua consciência, o seu conhecimento sobre o mundo real, e descobre a realidade em sua transparência e desfaz as idealizações, adquirindo assim uma visão mais objetiva do real. Ele agora percebe a realidade como ela é, e não mais através do jogo de suas fantasias. Pandora traz a possibilidade do desvelamento, da verdade, da alethea. O que escapa da caixa não são os males do mundo, mas a realidade como ela é, como expressão de jogos de opostos.

A esperança foi a única que não conseguiu escapar, porque ficou presa na tampa da caixa. O homem tem em mãos este bem, a esperança de busca da totalidade por meio do processo da individualização. Zeus doa à humanidade a esperança de totalização, o que corresponde ao desejo do self. Quando o ego não realiza o seu potencial no mundo, ele contraria os desejos do Self e impede a expressão deste através da cada individualidade. E para estar no mundo como indivíduo que busca, é necessário estar aberto e disponível para o inesperado. A esperança corresponde a uma atitude de espera do inesperado. Como diz Heráclito no seu fragmento 18: 

Se não se espera, não se encontra o
Inesperado, sem caminhos de encontro
Nem vias de acesso. 

Pandora é a mediatrix, e representa a tentativa da psique de manter a comunicação entre o ego e o Self. Pandora, como símbolo mediador, traz um presente do Self para o ego, de Zeus para Epimeteu, que o ajudará a realizar o desenvolvimento da consciência. Ele traz a possibilidade da conjunção entre os homens e os deuses, entre o céu e a terra, entre o espiritual e material, entre o masculino e o feminino, entre o homem e a mulher.

 Pandora é uma manifestação transcendente e feminina do Self, que possibilita e atualiza no mundo a fonte interna da criatividade. O gesto de Pandora promove a comunicação entre o mundo interno e externo, entre o inconsciente e consciente. Ela é a representação da anima e, como tal, precipita, através de sua ação, uma série de acontecimentos que fazem o mito atingir o seu ápice e a sua finalidade. Pandora é o elemento unificador dos opostos, o símbolo da união das polaridades.

No Prometeu e Epimeteu, de Carl Spitteler, Jung viu a expressão simbólica da tendência extrovertida e introvertida. Segundo Jung, Prometeu representa o tipo introvertido, fiel ao seu mundo interior, à sua alma; e Epimeteu, o tipo extrovertido, voltado para o outro, para as coisas mundanas.

Em Spitteler, Prometeu e Epimeteu representam a tensão entre as duas expressões da energia psíquica e o conflito do ego em ser fiel ao mundo interior ou ceder aos apelos do mundo externo. Prometeu representa para esse autor o ego afinado com o Self, e Epimeteu, o ego voltado para as solicitações e exigências do mundo externo. Prometeu, na criação de Spitteler, renuncia à vivência mundana para poder dedica-se aos apelos do inconsciente. E ao privar-se, de forma unilateral, das relações com o mundo externo, corre o risco de perder-se em si mesmo.

 Carl Spitteler concebe Prometeu como um herói individualista, que está voltado para o serviço de sua alma. Prometeu se guia pelos imperativos de sua alma e recusa as honras do mundo. Prometeu, em Spitteler, expressa o conflito e a divisão entre o mundo interno e o externo. Representa a tendência introvertida em sua unilateralidade que leva à negação do mundo externo. Mas Spitteler coloca na sua criação poética um fator compensatório através da imagem de um anjo, representante do governo do mundo, que adverte Prometeu do perigo de sua atitude.

A excessiva introversão leva ao isolamento psíquico e impede o desenvolvimento do potencial interno que precisa ser exercitado no mundo. O desenvolvimento do ego e o processo de individuação requerem um equilíbrio entre as duas direções da energia psíquica. A excessiva polarização de uma das tendências é prejudicial à saúde psíquica.

 O Prometeu de Spitteler está voltado de forma exacerbada para a vivência do mundo interno, e assim não pode desenvolver o relacionamento e a adaptação com o mundo exterior. Ele vira as costas ao mundo dos homens e assim fica confundido com o Self. Prometeu recusando adaptar-se, sacrifica a sua relação cós os objetos e o tempo e permanece num mundo atemporal. O Anjo adverte prometeu que a sua recusa em viver a castração o afasta do conhecimento de Deus: 

Serás rejeitado no dia da Glória, por causa de tua alma que não conhece Deus, que não tem consideração pela lei, com seu orgulho, não toma nada como sagrado, nem no céu, nem na terra. 

Para Spitteler, Prometeu representa o ego doente e enfraquecido que recusa a relação com o mundo. Ele não arrisca, ao contrário do Prometeu do mito grego, que leva o homem a sair do estado de perfeição e o coloca no mundo sujeito às imperfeições e aos limites. Na criação de Spitteler, Prometeu permanece fixado na ilusão de um potencial grandioso, prometéico, que nunca se atualiza no mundo em gesto ou em obra. Ele recusa a sua ação no mundo e tudo desaparece no interior da psique, o potencial se torna invisível, porque Prometeu não lhe oferece visibilidade através do ato criativo.

O ego, quando não realiza o seu potencial criativo no mundo, contraria os desejos do self. A recusa ao desenvolvimento pessoal e a identificação onipotente com o Self alienam o ego de Deus; ele perde a consciência de sua participação na totalidade justamente por estar confundido com ela.

 Para Spitteler, Prometeu representa a tendência que furta a energia do ego, da consciência, sem nada criar ou realizar, por sua onipotência. A função introvertida se expressa aqui na sua forma negativa.

O Epimeteu de Spitteler, por outro lado, representa o impulso para a vivência extremada da extroversão. O seu impulso o move para o mundo externo, por cujos desejos e esperanças ele é absorvido. Epimeteu representa o impulso do ego para a realização do seu potencial no mundo. A aceitação dos desafios impostos pelo mundo leva Epimeteu a adquirir o sentimento de confiança, valor e capacidade produtiva e criativa. Epimeteu, para Spitteler, representa a conquista de um ego forte, estável e seguro, capaz de dirigir, coordenar e promover o relacionamento entre vários conteúdos psíquicos.

Embora o Epimeteu de Spitteler possua um caráter mais positivo do que Prometeu, ele vê as duas tendências, a prometéica e a epimetéica, dissociadas e em conflito. A libido, nestes termos, se dirige para direções opostas sem possibilidade de comunicação e equilíbrio. Prometeu volta-se demasiadamente para outro lado, tende a negar o mundo interno e desenvolver o ego afastado de suas fontes inconscientes, do contato com o Self.

Prometeu, na criação de Goethe, não é o filho de Jápeto e de Clímene, mas de Zeus e de Hera. É um ser onipotente que despreza os próprios deuses. Goethe concebe um Prometeu confundido com a divindade, a sua alma é Minerva, filha de Zeus. E o seu Prometeu é, no entanto, mais positivo do que em Spitteler, porque mais criativo e capaz de se relacionar com o mundo interno e externo.

Goethe caracteriza Epimeteu como o ser identificado com a consciência coletiva, e Prometeu, com a criatividade do Self. O Prometeu de Goethe é um ser que, apesar de identificado com o Self, consegue realizar a sua criatividade no mundo. Ele atira para o espaço as figuras moldadas por ele e animadas por sua alma. Ele enche o mundo com as suas produções criativas. Epimeteu, em Goethe, é quem vive a tendência introvertida: abandona-se a fantasias, sonhos, recordações, apreensões e preocupações.

Pandora, para Goethe, é a representação das forças criativas. É filha dos Titãs e está sob a dependência de Prometeu. É casada com Epimeteu, mas o abandona e lhe deixa a filha Epimeléia, a preocupação, e leva consigo Elpore, a esperança. A esperança desaparece quando o ego se aliena do Self, que é a fonte da fé e da confiança na vida, só restando a insegurança e o desamparo com as preocupações.

O mito de Prometeu, em todas as épocas, sempre foi fonte de inspiração de poetas, artistas e filósofos. Prometeu foi constantemente retratado na cerâmica grega e romana. Na literatura, desde Hesíodo e Homero, o mito de Prometeu mobilizou a criatividade de grandes artistas, porque o seu tema sintetiza simbolicamente aspectos importantes da vida humana.
Ésquilo dedicou a Prometeu uma trilogia e uma sátira, mas só um destes trabalhos é conhecido hoje, Prometeu Acorrentado. Platão em seus Diálogos, através de Protágoras, descreve Prometeu como um deus civilizador que doa o fogo aos homens para que estes supram suas necessidades e inventem a linguagem. Eurípedes, em As Suplicantes, também vê Prometeu com um caráter civilizador.

Entre os primeiros escritores cristãos, como Tertuliano e Santo Agostinho, Prometeu crucificado foi comparado com Cristo, o verdadeiro Prometeu.

Na renascença, Pedro Calderón de la Barca, na sua comédia A Estátua de Prometeu, compara o herói com a consciência humana que se revolta contra a injustiça e a arbitrariedade.

Artistas plásticos românticos e modernos como Theodore de Lie, Gustave Moreau e Jacob Jordans se mobilizaram principalmente pelo tema do sofrimento e do suplício. Na literatura, Goethe, Schiller e Spitteler são os representantes principais que se inspiraram no herói grego, além de Percy Shelley (Prometeu Libertado), Mary Shelley (Frankenstein, o Prometeu Moderno), André Gide (Teseu-Prometeu), Camus (O Homem em Revolta), Kafka (Prometeu).

Prometeu, o pai dos homens, o arquétipo que possibilita ao homem a construção do mundo cultural, cumpre também a sua missão sendo a fonte de criação desses artistas, que contribuíram com o seu trabalho para a ampliação do universo cultural da humanidade.


Revista de Artes, Letras e Ciências, nº 2, Novembro de 2009

Capítulo do livro O mundo do Pai (Mitos, Símbolos e Arquétipos), Editora Cultrix, São Paulo, de Raïssa Cavalcanti (Brasil). Psicoterapeuta junguiana, autora de livros comoRetorno do Sagrado e Símbolos do Centro:

O mundo do Pai trata do arquétipo do pai, da questão essencial do desenvolvimento da personalidade e da estrutura do mundo social. A perda da onipotência e o desejo sob a lei do pai, assim como o arquétipo do pai, símbolo da estruturante da personalidade que retira a criança matriarcado para o patriarcado, constituem também alguns de seus temas. O livro reconta a saga mítica do herói, na qual o pai é o instaurador do princípio da realidade e a criança, nas suas diversas fases evolutivas simbólicas, refaz o caminho da humanidade em direção ao desenvolvimento e aa autonomia do ego. A autora, a psicoterapeuta brasileira Raïssa Cavalcanti, através dos mitos, dos símbolos e dos arquétipos, esclarece de maneira extraordinária a compreensão do patriarcado e, como polaridade, rediscute a função do matriarcado. Num dos mais completos e originais estudos dessas questões, a autora analisa prometeu, o pai dos homens; Faetonte, o mito do pai ausente, os pais míticos: Urano, Crono-Saturno, Zeus, as filhas do pai: Têmis, Afrodite, Mnemósina, Héstia, Deméter, Hera, Atena, Ártemis, os filhos amados do pai: Apolo, o enviado; Dionísio, o mundo das múltiplas formas; Hermes, o mensageiro. Este livro, portanto, é um estudo inovador, indispensável para compreender o processo de desenvolvimento do ser humano e as bases psicológicas onde se alicerçam os fundamentos da civilização.



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